A Constituição Federal e a Magistratura

Por Carlos Hamilton Bezerra Lima (Juiz de Direito TJPI) e Éder Jorge (Juiz de Direito TJGO)
Por Danusa Andrade.
Publicado em 25/03/2019 às 15:56. Atualizado há 6 meses.

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Em 25 de março, comemora-se o dia em que foi outorgada a primeira Constituição do Brasil, no ano de 1824. Desde então, estabeleceram-se a ordem e o equilíbrio entre os Poderes com o documento que rege a busca pelo bem comum e pela garantia dos direitos dos cidadãos.

A Carta Magna de 1988, promulgada no dia 5 de outubro do respectivo ano, é a sétima Constituição brasileira. O documento definiu a fisionomia do Poder Judiciário, assegurando aos Magistrados garantias fundamentais para o exercício da judicatura, entre elas a vitaliciedade, a irredutibilidade de vencimentos e a inamovibilidade, ao mesmo tempo em que conferiu direitos aos cidadãos, como nunca visto antes no sistema constitucional pátrio.

Fruto ou não dessa nova ordem constitucional, verificou-se uma explosão na demanda por prestação jurisdicional, que causou um quase colapso na maioria das unidades judiciais de primeiro grau, assim como nos tribunais. Em face disso, deflagraram-se inúmeras ações tendentes a discutir os problemas do Poder Judiciário.

A primeira delas foi a chamada CPI do Judiciário, sob dura coordenação de senador já falecido. Naquele período, diversos magistrados foram chamados a depor, por vezes sem lhes ser dispensado o tratamento inerente a qualquer cidadão que preste depoimento, seja na condição de testemunha ou mesmo de réu.

Ao fim dos trabalhos, nenhuma novidade foi detectada. Num universo de mais de 14 mil magistrados, apenas a alguns foi imputada a prática de irregularidade, cujo desenlace pouco se noticiou e se sabe. A principal conclusão da CPI foi a de que não havia celeridade no trâmite dos processos, dando ensejo à chamada Reforma do Judiciário, consubstanciada na Emenda Constitucional nº 45/2004.

Depois de longos anos de discussão, com ácidas críticas ao Judiciário e a seus integrantes, foi promulgada a EC 45/2004, à época tida por parte dos parlamentares e pela imprensa como solução para os problemas. Após mais de uma década de sua vigência, entretanto, vê-se que praticamente nada mudou com relação à morosidade dos processos, pois tal se deve primordialmente à necessidade de melhor estruturar, principalmente, o primeiro grau de jurisdição, e aperfeiçoar a legislação processual civil e penal.

A maior inovação da Reforma do Judiciário, com certeza, foi a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que criou o chamado controle externo da magistratura. A despeito de toda polêmica instalada, e dos prós e contras, apresentados, a verdade é que o CNJ inaugurou uma nova fase no Poder Judiciário como órgão de cúpula, mitigando sobremaneira a independência de cada tribunal. De outro lado, a composição paritária do Conselho e sua competência para todos os segmentos e instâncias do Judiciário (com exceção do Supremo Tribunal Federal) fortaleceu a ideia de caráter nacional do Poder.

Apesar do esforço dos legisladores – e conforme já adiantavam as associações de juízes –, a inovação constitucional não resolveu o maior problema, qual seja a morosidade processual. Esta, como já se ventilou, não pode ser resolvida apenas com medidas legislativas e correcionais, mas fundamentalmente mediante pesado investimento na estrutura humana e material da primeira instância de jurisdição, como detectou o próprio Conselho ao editar a Resolução nº 219/2016, que manda equalizar a força de trabalho entre 1º e 2º graus de jurisdição.

É imperioso constatar que, mesmo com mais de 100 emendas, a Constituição Federal promulgada em 1988 talvez não tenha sido alterada no principal: a) reforma administrativa, para desburocratizar a administração pública e permitir maior fluidez à gestão; b) reforma do sistema político, pois os fatos noticiados pela imprensa dão conta que o sistema atual não mais se sustenta, tampouco atende aos interesses da Nação; c) reforma eleitoral, com regras mais claras e objetivas sobre todo o processo que envolve as eleições, considerando que o atual Código Eleitoral remonta ao vetusto ano de 1965; d) reforma penal e processual penal, considerando que a violência alastrada de forma endêmica pelo País é motivada, em grande parte, por não serem permitidas, pela própria Constituição Federal, medidas mais rigorosas no que diz respeito à repressão e punição.

Essas reformas, com certeza, diminuiriam a procura pela Justiça, pois atualmente quase tudo pode ser objeto de discussão na via judicial, o que, com a desburocratização, tenderia a diminuir. Na esfera criminal, como a legislação atual não inibe de forma satisfatória a reiteração da prática criminosa, infelizmente é comum nos depararmos com pessoas respondendo por 10, 20 e até 50 crimes. Para cada crime, em regra, um processo, resultando no congestionamento do sistema judiciário penal.

Atualmente, segundo dados estatísticos do CNJ, há mais de 100 milhões de processos na Justiça brasileira, ou seja, para cada dois cidadãos, um processo. Apenas a título de comparação: quando promulgada a Constituição Federal, o acervo processual em todo o Brasil não ultrapassava a casa dos milhares.

Completados 30 anos da Constituição Federal, é triste constatar que do ponto de vista institucional a magistratura não saiu fortalecida, justamente em face das reformas constitucionais havidas (ECs 20/98, 41/2003 e 45/2004). Com efeito, mitigou-se o princípio da vitaliciedade, assim como se enfraqueceram os direitos previdenciários dos juízes, com grave modificação nas regras de transição. A consequência são magistrados mais vulneráveis ao próprio estado de coisas, o que vem provocando a saída de muitos juízes para exercerem outras atividades, além da dificuldade em se recrutar candidatos que, igualmente, estão optando por outras carreiras públicas.

No aniversário da Constituição Federal, é preciso que se faça uma reflexão acerca da necessidade de aperfeiçoar as regras de proteção, independência e autonomia da magistratura, bem como que a Carta Magna enfatize e reforce a importância do Poder Judiciário como protagonista e garantidor de democracia plena, economia saudável e liberdade de mercado; guardião dos direitos individuais e coletivos, da família, das crianças e do consumidor; e do combate à corrupção.