Por Mário Márcio de Almeida Sousa, Juiz de Direito no Estado do Maranhão.
O dia 08 de dezembro é extremamente significativo para grande parte do povo brasileiro. Primeiro, porque é o dia de Nossa Senhora da Conceição. Segundo, porque nele também se rendem homenagens ao Poder Judiciário, à Justiça. Em 2006, porém, a data ganhou em importância: passou a ser, também, o Dia Nacional da Conciliação.
Em todo o país foram realizadas, salvo engano, mais de cinqüenta mil audiências, tanto na Justiça Comum e nos Juizados Especiais quanto nas Justiças Federal e do Trabalho. A iniciativa é louvável e tem grande significado, sobretudo porque pretende difundir a idéia de que um bom acordo é sempre melhor que uma grande briga. E isso é inegável, não apenas por conta da tão propagada lentidão do Judiciário. Mas principalmente devido aos dissabores que um processo – lento ou célere – traz, seja para o requerente, seja para o requerido (exceto nas ações criminais, costumo empregar essas expressões para me reportar às partes, principalmente porque, para muita gente, ser chamado de réu já representa uma penalidade, uma derrota).
A gigantesca empreitada foi um sucesso. Magistrados, membros do Ministério Público, advogados, conciliadores e servidores viram recompensados seus esforços. Também assim as partes. Sim, as partes. Muitas delas fizeram enormes sacrifícios para participar dessa maratona cívica. E assim foi porque, em um país com milhões de miseráveis e de dimensões continentais como o Brasil, as dificuldades de acesso à justiça passam, não raro, mais pela falta de condições de deslocamento até o prédio do Fórum do que pela inexistência dele.
Quem tem – um mínimo que seja – de bom-senso e civilidade não diverge da máxima segundo a qual é melhor fazer um acordo que brigar. Contudo, não se pode perder de vista que a conciliação não é tarefa fácil, seja para as partes envolvidas, seja para quem vai conduzi-la, como é o caso de juízes e conciliadores. Aquelas porque trazem para as audiências prejuízos financeiros e morais, frustrações, mágoas, raivas mesmo. Estes, porque, no mais das vezes, não foram treinados e, também por isso, não sabem como levar a audiência a bom termo. Mediar conflitos exige técnica, treinamento – e boa vontade, é claro. Tanto assim que, Brasil afora, estudiosos têm elaborado profundos trabalhos sobre o tema. Teses e mais teses são escritas, métodos e mais métodos são criados. Faz-se necessário, então, que as cúpulas do Poder Judiciário invistam em recursos humanos e técnicos para aumentar os índices de acordo. E que todos os envolvidos no processo se disponham a aprender, principalmente os magistrados (na maioria das comarcas não há conciliadores e aos juízes cabe a missão de conciliar). Não apenas por uma questão estatística, mas também porque, se há acordo, pode-se imaginar que houve a pacificação do conflito – objetivo maior da Justiça.
Em que pese isso, permito-me fazer algumas considerações, mesmo correndo o risco de ser incompreendido.
Nem sempre a composição judicial entre os litigantes significa que seus ímpetos foram serenados, que o conflito social chegou ao fim. É comum ouvir-se: “É, doutor, vou fazer o acordo para acabar logo com esse negócio”. Ora, é lógico que alguém assim não está conciliado, pacificado. Estatisticamente pode ser um sucesso, pois mais uma ação se encerra com acordo. Entretanto, do ponto de vista social é um desastre, pois muito provavelmente os ditos conciliados voltarão ao embate, talvez até de forma mais acirrada.
Por isso, ouso dizer que é preciso cautela para que projetos como o Movimento Nacional pela Conciliação não soçobrem em sua verdadeira finalidade. Refiro-me, especificamente, ao elevado número de audiências de conciliação que nós juízes, consciente ou inconscientemente, somos levados a marcar num único dia. E o faço baseado na convicção, ou melhor, na experiência de que o simples fato de deixar as partes falarem é muitas vezes a melhor forma de conseguir um acordo. Botar pra fora, como se diz por aí, pode se revelar mais importante que o bem da vida disputado. Mas como fazer isso com quarenta, cinqüenta audiências para serem conduzidas por um só juiz, num só dia? Como conciliar pessoas que já chegaram ao Fórum aborrecidas e lá ficaram mais ainda, esperando horas e horas, normalmente num calor infernal e sem dinheiro nem para um lanchinho sequer?
Nem de longe quero criticar quem assim age. Cada um sabe de sua capacidade. Já fiz muito isso. Decidi mudar. Penso que essa não é a solução para os problemas do Poder Judiciário. A estatística é importante, sem dúvida. Mas eu estudei e estudo para dar prevalência às pessoas, não aos números.
Conciliar é bom. Conciliar bem é melhor ainda.