O Juiz e a sua história – Dr. Alex Ferreira Oivane – TJAC

Dr. Alex vivenciou experiências enriquecedoras, criou metodologias de trabalho, implementou mecanismos para aumentar a produtividade, colecionando resultados positivos.
Por Danusa Andrade.
Publicado em 07/11/2025 às 21:37. Atualizado há 2 dias.

LogoDr. Alex Ferreira Oivane é titular da Vara Estadual de Delitos de Organizações Criminosas de Rio Branco

O quadro O Juiz e a sua história da ANAMAGES homenageia nesta semana o magistrado Dr. Alex Ferreira Oivane, titular da Vara Estadual de Delitos de Organizações Criminosas de Rio Branco, no Acre.

Paulista de Adamantina, Dr. Alex construiu uma sólida experiência no serviço público antes de ingressar na magistratura. Iniciou a carreira como escrevente no cartório judicial em Formosa, Goiás, onde fazia transcrições de sentenças judiciais no Cartório de Família, Órfãos e Sucessões; posteriormente foi empossado como agente administrativo do Poder Executivo Federal e exerceu diversos outros cargos no Distrito Federal e no Governo Federal, passando pelo TRF, TRE e TJDFT – experiências que contribuíram para a sua formação intelectual.

Dr. Alex assumiu o cargo de juiz no TJAC em 2014. Judicou em Cruzeiro do Sul, Feijó, Assis Brasil, Epitaciolândia, Sena Madureira, Brasileia e respondeu pelo juízo em diversos outros municípios como Tarauacá, Capixaba, Acrelândia e Xapuri. Também atuou como Juiz Eleitoral Titular da 7ª Zona entre outubro de 2015 e outubro de 2019.

Sua brilhante atuação junto à comunidade lhe rendeu algumas honrarias como a Medalha do Mérito Coronel Fontenele da PMAC, no Grau Grão Comendador, em 2017, e a Placa Honorífica Eleitoral em julho de 2019, em reconhecimento ao trabalho desenvolvido na Justiça Eleitoral, entre outras.

O magistrado exerceu a função de juiz auxiliar da Corregedoria Geral de Justiça do TJAC para o biênio 2023/2025; foi membro do Comitê Gestor de Inovação do Poder Judiciário do Acre e do Comitê Gestor de Proteção de Dados; atuou como integrante suplente do Grupo de Trabalho Interinstitucional para implementação da lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência pela Polícia Militar do Estado; coordenou a Central de Processamento Eletrônico (CEPRE) e o CEJUSC de Assis Brasil; participou de diversos cursos.

Dr. Alex encampou vários projetos sociais junto à comunidade, sendo o marco inicial em 2016, quando assumiu a titularidade da Vara Criminal de Feijó, para a qual foi promovido por merecimento.

Nesses 11 anos de carreira, Dr. Alex vivenciou experiências enriquecedoras, criou metodologias de trabalho, implementou mecanismos para aumentar a produtividade, colecionando resultados positivos. Confira a entrevista.

ANAMAGES: Comente sobre a sua experiência no início da carreira.
Dr. Alex: Eu iniciei a minha carreira em Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, extremo oeste do Acre, onde atuei predominantemente nas Varas Criminais. Confesso que foi uma experiência extremamente desafiadora e intensa, que me marcou profundamente e me ensinou o verdadeiro significado da magistratura.

Sou paulista, fui criado em Goiás e me formei em Direito em Brasília. Ao chegar em Cruzeiro do Sul, um dos primeiros impactos foi a barreira linguística e precisei me adaptar ao dialeto peculiar dos “colonheiros”, como são chamados os colonos no Acre. Lembro-me perfeitamente de uma das minhas primeiras audiências criminais na 2ª Vara Criminal. Um réu, ao confessar o crime, disse: “estava em um piseiro e me estranhei com a vítima, estava bebido, e ele me deu umas panadas nas costas e na cara, não aguentei e joguei sete vezes o terçado nele”.

Eu fiquei completamente perdido e o Dr. Washinton - promotor de Justiça - precisou me traduzir: o réu estava em uma festa, houve um desentendimento, a vítima o agrediu com a lateral de um facão nas costas e no rosto, e ele, em resposta, desferiu sete golpes de facão. Foi um choque cultural significativo que me fez perceber o quanto precisava me conectar com a realidade local.

ANAMAGES: Relate quais foram os maiores desafios enfrentados.

Dr. Alex: Os desafios logísticos eram igualmente intensos. As estradas são esburacadas, muitas sem asfalto ou até mesmo sem acesso terrestre. Quando estava em Feijó, que fica a 350 km da capital, eram comuns deslocamentos de 10 a 12 horas de caminhonete– algo inimaginável para quem está acostumado com estradas asfaltadas. Somava-se a isso a falta de estrutura das cidades do interior, a instabilidade dos sistemas, internet precária, energia elétrica instável, além das dificuldades com alimentação e moradia.

Um dos momentos mais desafiadores da minha carreira foi quando eu assumi a coordenação do Centro Judiciário de Solução de Conflitos (CEJUSC/JEC de Rio Branco), pois havia um elevado índice de congestionamento na fila de processos aguardando pauta de audiências, o que gerou cerca de 1.100 reclamações de advogados e partes.

ANAMAGES: Como foi a sua conduta a partir desse cenário de sobrecarga processual?

Dr. Alex: Eu implementei um Plano de Trabalho robusto que associava produtividade com qualidade no atendimento. Organizamos mutirões, criamos pautas temáticas concentradas, designando novas audiências concomitantemente às já marcadas. Mas o mais inovador foi a aproximação que fizemos com os grandes demandados – Energisa, LATAM, Gol, Oi e Vivo.

Realizamos reuniões para identificar demandas passíveis de acordo, e as empresas passaram a apresentar propostas aos reclamantes independentemente da data designada para audiência.

Instalamos também um Setor de Conciliação do PROCON na sede do Juizado, permitindo que o Procon iniciasse audiências presenciais no TJAC para incentivar mais acordos pela via administrativa, promovendo a solução de conflitos sem necessidade de processos judiciais.

Criamos o Núcleo de Superendividados em parceria com o Laboratório de Psicologia da UNAMA e instalamos um Setor de Informação ao Jurisdicionado para responder a dúvidas processuais.

O resultado foi extremamente gratificante: conseguimos reduzir o prazo de espera para realização de audiências de conciliação de 100 para 30 dias, uma celeridade significativa que transformou o atendimento aos jurisdicionados, evidenciando o compromisso com a pacificação e a solução consensual de conflitos, sempre buscando associar velocidade com qualidade.


ANAMAGES: Surgiram outras demandas?

Dr. Alex: Outro aspecto que me surpreendeu profundamente foi descobrir que a faculdade de Direito e outros cursos me prepararam para fazer sentenças e decisões, mas a realidade da magistratura no interior exigiu um conhecimento robusto em administração pública. Felizmente, minha experiência anterior no serviço público me ajudou a compreender a dinâmica administrativa, mas eu ainda assim precisei aprender a administrar o fórum, gerir unidades judiciais, lidar com funcionários muitas vezes desestimulados, criar soluções inovadoras e inteligentes para motivar a equipe, ler gráficos e planilhas, e encontrar saídas para o congestionamento de processos conclusos ou paralisados em secretaria. Isso me levou a buscar aperfeiçoamento contínuo, inclusive realizando um MBA em Administração Pública e cursos sobre Gestão Humanizada e Gestão com Empatia e Motivação.

Eu precisei me adaptar rapidamente aos diversos sistemas disponibilizados pelo CNJ – SAJ, E-Proc, PJE – e superar a resistência burocrática natural dos colaboradores ao modificar hábitos e procedimentos para padronizar o trabalho. Participei ativamente do Grupo Estratégico para Implantação do Sistema Eproc. Além disso, foi necessário compreender as diversas metas do CNJ e criar planos de ação para seu cumprimento. Os desafios continuam enormes e multifacetados: logística, pessoal, material, tecnologia, tudo ao mesmo tempo.

ANAMAGES: O senhor já desenvolveu algum projeto junto à comunidade?
Dr. Alex: Em Cruzeiro do Sul, em parceria com a Associação dos Amigos de Parentes dos Dependentes Químicos (APADEQ), do amigo Branco, utilizamos recursos de penas alternativas para incentivar a recuperação de dependentes químicos e egressos do sistema prisional, e apoiei a implantação de uma granja na unidade.

Em Feijó, eu participei do “Projeto Bombeiro Mirim” que fez doações de equipamentos, uniformes e bicicletas para os participantes. Também criamos o “Projeto Feijó” que celebrou 59 casamentos, ofereceu um curso de identificação e prevenção ao uso de entorpecentes para 102 professores, realizou 268 consultas médicas, 548 testes rápidos de saúde, aplicou 92 doses de vacina, expediu 82 carteiras de identidade, além de oferecer atendimentos jurídicos pela OAB e pelo Ministério Público. Também capacitamos reeducandos em mecânica de bicicletas e pintura.

Em 2018, no Projeto Cidadão, em Feijó, eu vivi um momento que considero historicamente importante e que reflete o meu compromisso com a inclusão: na celebração de um casamento coletivo, oficializamos a primeira união homossexual na cidade e destaco que nenhum ser humano é diferente do outro devido à cor, religião ou sexualidade.

Também criamos o “Projeto Reviver o Jardim”, que revitalizou uma área ociosa no Fórum transformando-a em um espaço de lazer e conhecimento com recursos de penas alternativas.
Em Assis Brasil, eu debati com o Prefeito e Vereadores a implantação do Serviço de Acolhimento Familiar e do Programa de Apadrinhamento Solidário, e realizei cursos sobre Acolhimento de Crianças e Adolescentes e sobre o Depoimento Especial com o Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense.

ANAMAGES: Houve outros momentos especiais na realização desses projetos?

Dr. Alex: Durante o Projeto Cidadão em Assis Brasil, em 2021, eu fui celebrante do casamento coletivo e participei dos atendimentos jurídicos e sociais, auxiliando na celeridade de retificações de assento de nascimento, incluindo o acréscimo de etnia para 150 indígenas.

Um caso que me marcou profundamente foi o de uma família de 14 pessoas que não possuía documentação, nem mesmo certidão de nascimento. Ao ouvi-los e constatar que eram de nacionalidade peruana, orientei sobre a competência da Justiça Federal, auxiliando na solução do problema.

Depois disso, em 2022, eu conduzi a cerimônia de casamento coletivo de 50 casais e também participei do Projeto Cidadão em Epitaciolândia, em outubro de 2023, onde fui celebrante do casamento coletivo de 35 casais, integrando o programa Saúde na Comunidade.

ANAMAGES: Quais foram os momentos mais marcantes até aqui?

Dr. Alex: Uma experiência marcante foi a minha atuação em Assis Brasil, na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia, onde fui Juiz Titular da Vara Única de novembro de 2018 a agosto de 2022, acumulando também a função de Diretor do Foro até abril de 2023.

Eu alcancei um resultado que considero um dos mais significativos da minha gestão em termos de eficiência e produtividade: reduzi o acervo da Vara Única em 700 processos, uma redução de 52,99% do acervo inicial, que passou de 1.321 para 621 processos.

Isso foi alcançado mesmo com déficit de servidores, através de uma gestão estruturada que implementei.

Eu criei um plano de gerenciamento que dava prioridade zero para processos urgentes – réus presos, Ações Civis Públicas e Alimentos. Estabeleci uma sistemática rigorosa para garantir que não houvesse retenção injustificada de autos, nem processo concluso ou no fluxo da Secretaria por mais de 100 dias. As mudanças estruturais e a metodologia de trabalho, aliadas ao incentivo às boas práticas, resultaram em harmonia do ambiente de trabalho e integração dos servidores, elevando significativamente a produtividade da equipe.

Também realizei treinamentos para os colaboradores e implementei o Programa de Estágio Voluntário para Acadêmicos de Direito, firmando Termos de Cooperação com faculdades como UNAMA e U:Verse.

Os relatórios de correição posteriores comprovaram que não havia processos conclusos ou pendentes na Secretaria por mais de 100 dias, e houve um decréscimo de 43,98% dos processos em andamento eletrônico.

ANAMAGES: Quais são os pilares de sua conduta como magistrado?

Dr. Alex: A minha rotina é extenuante. Trabalho rotineiramente de 12 a 14 horas por dia, sete dias por semana. Mas, apesar de todas essas dificuldades, posso dizer que me apaixonei pela magistratura. Quando você conhece o povo necessitado e sofrido, com pureza no coração e esperança no olhar, você se apaixona pela magistratura e não a abandona mais. Sempre acreditei que a atuação do juiz na comunidade realmente muda a realidade das pessoas, e isso se tornou um dos pilares da minha conduta.
Cada desafio enfrentado ao longo dessa jornada me ensinou que a magistratura vai muito além das decisões judiciais – ela exige dedicação integral, capacidade de adaptação, visão administrativa e, acima de tudo, sensibilidade humana para compreender e servir a população que mais precisa de justiça.

Os projetos sociais que desenvolvi ao longo desses anos me mostraram que o juiz pode e deve ser um agente transformador na comunidade, não apenas julgando processos, mas contribuindo ativamente para a construção de uma sociedade mais justa e cidadã. Aprendi que é possível, sim, associar produtividade e celeridade com qualidade e bom atendimento – basta ter gestão eficiente, inovação na resolução de conflitos e um atendimento verdadeiramente humanizado.