Nesta semana a ANAMAGES destaca a trajetória de sucesso da magistrada Isadora Nicoli da Silva, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Natural do Rio de Janeiro, ela cresceu na zona oeste carioca e estudou em escolas públicas durante toda a sua formação básica – circunstâncias que representaram, a princípio, um grande obstáculo a ser ultrapassado, mas com uma fé inabalável em Deus, apoio de sua família, inúmeras renúncias e lutas, Dra. Isadora idealizou o sonho de tornar-se juíza.
A partir desse objetivo, ela ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense por meio da ação afirmativa voltada aos alunos egressos de escolas públicas, com acesso ao ensino de qualidade, porém carregado de percalços. Com espírito resiliente, Dra. Isadora amadureceu o sonho de ser magistrada e teve a certeza da jurisdição estadual diante da matéria e do seu papel fundamental na construção do Estado Democrático de Direito, concluindo a graduação em 2017.
Em 2018 ingressou na especialização em Direito Público e Privado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro por meio de concurso público, no qual obteve bolsa integral oferecida para candidatos negros. Em 2025, publicou o artigo “Estudo de Caso: O Processo Estrutural e a Favela da Rocinha”, na Revista Amagis Jurídica, volume 16, número 3.
As bases construídas na EMERJ aprofundaram o conhecimento jurídico e o aprendizado por meio de estágios supervisionados, sobre o que era, de fato, ser juíza e o quão grande é a responsabilidade de ser um instrumento de justiça. Após um período de atuação como advogada autônoma e terceirizada vinculada à área administrativa do tribunal, em agosto de 2021 Dra. Isadora passou a atuar como assessora de Desembargador do TJRJ, cargo que ocupou até abril de 2024, vivenciando a experiência que contribuiu para o seu crescimento profissional e pessoal e a consolidação de competências necessárias à magistratura.
Com objetivos bem definidos, Dra. Isadora conciliou desde a graduação o estudo para concursos e o trabalho, combinação que entende ser de relevante importância pela vivência na prática do conhecimento transmitido pelas teorias. Foram anos de estudo até a aprovação no concurso da magistratura mineira, com a primeira fase em fevereiro de 2022, prova oral em abril de 2024, aprovação anunciada em 10 de abril de 2024 e posse em 9 de maio de 2024. Tal certame foi, como são todos os concursos para a magistratura, extremamente desafiador, mas com o empenho, disciplina e tantas renúncias, a magistrada pôde celebrar esse momento memorável de sua vida.
A primeira designação da Dra. Isadora foi como juíza cooperadora da Comarca de Belo Horizonte, cooperando com as 1ª e 4ª Varas de Fazenda. Depois, de setembro de 2024 a fevereiro de 2025, cooperou na Vara Infracional, além de conciliar o auxílio em varas criminais, cíveis e de família e na Central de Custódias. Desde março deste ano atua como juíza cooperadora da Central de Cumprimento de Sentenças Cíveis da comarca de Belo Horizonte. Confira a entrevista.
ANAMAGES: Qual a importância da presença da mulher em espaços de poder?
Dra. Isadora Nicoli da Silva: Como juíza substituta e integrante da Comissão de Equidade de Gênero do TJMG, posso ressaltar que a presença da mulher em espaços de poder é essencial para a concretização dos princípios constitucionais que asseguram a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres. A Constituição Federal de 1988, ao consagrar esse princípio no artigo 5º, inciso I, impõe um compromisso não apenas jurídico, mas também ético e institucional com a promoção de uma sociedade mais justa, plural e democrática.
A representatividade feminina em cargos de liderança, gestão e tomada de decisão vai além de uma questão de justiça social: é uma necessidade para o avanço das instituições. A diversidade de perspectivas, especialmente a sensibilidade feminina, contribui para decisões mais humanas, inclusivas e eficazes. A presença de mulheres nesses espaços rompe com estereótipos históricos que relegaram a mulher exclusivamente ao papel do cuidado, reafirmando que o lugar da mulher é onde ela quiser: na magistratura, na política, na administração pública, na ciência, e em todos os outros campos.
Ao ocupar posições de poder, as mulheres não apenas exercem seu direito legítimo à igualdade, como também se tornam referências e agentes de transformação, inspirando outras mulheres e promovendo uma cultura institucional mais equânime. Trata-se, portanto, de garantir que a paridade de gênero não seja apenas uma diretriz formal, mas uma realidade vivenciada em todos os níveis de poder e decisão.
A Comissão de Equidade de Gênero, coordenada pela Desembargadora Evangelina Duarte, tem atuado firmemente e tem como foco o monitoramento dos indicadores relacionados à paridade de gênero e raça, que permitem o acompanhamento da melhoria desses dados; o aprimoramento de políticas voltadas às mulheres integrantes do Tribunal; e a formação e capacitação em torno da matéria, para que seja cultivado um olhar de gênero e raça dentro do TJMG.
ANAMAGES: A Dra. já se deparou com conflitos na carreira? Como conseguiu superá-los?
Dra. Isadora Nicoli da Silva: Sim, como toda carreira desafiadora, a magistratura impõe conflitos e exigências significativas, especialmente relacionados à alta demanda processual e à complexidade crescente dos casos. Não se trata apenas de julgar, mas de gerir com responsabilidade e estratégia um volume expressivo de processos, o que demanda planejamento, organização e uma atuação técnica e humana ao mesmo tempo.
Superar esses desafios exige disciplina, constância e também apoio institucional. Nesse sentido, o TJMG tem sido fundamental no meu percurso. Fui acolhida por colegas comprometidos, que compartilham experiências, constroem soluções coletivas e me incentivam a crescer. Essa rede de apoio e troca fortalece não só a atuação individual, mas também a qualidade da prestação jurisdicional como um todo.
Aprendi que enfrentar os conflitos da carreira passa pelo reconhecimento de limites, estabelecer prioridades e construir um plano de trabalho que una técnica, empatia e eficiência. E sobretudo, compreender que a magistratura não é um caminho solitário: é na troca, na aproximação com o jurisdicionado, no diálogo e no exemplo que encontramos meios de evoluir, mesmo diante das maiores adversidades.
ANAMAGES: Qual a sua visão sobre o exercício da magistratura na vida das pessoas?
Dra. Isadora Nicoli da Silva: A magistratura é, para mim, uma missão profundamente conectada à vida real das pessoas. Exercer a jurisdição é ser instrumento de justiça, garantindo que os direitos assegurados pela Constituição e pelas leis sejam efetivamente acessíveis a todos — tanto nas relações públicas quanto nas privadas. O juiz, ao dizer o direito, tem o dever de contribuir para uma sociedade mais equilibrada, dirimindo conflitos com técnica, sensibilidade e humanidade, e promovendo também soluções consensuais sempre que possível.
A atuação judicial não pode se encerrar em decisões formais ou em uma visão distante da realidade. O Poder Judiciário precisa, cada vez mais, se aproximar da população, compreender suas dores, seus contextos e suas urgências. É necessário romper com a ideia de neutralidade desumanizada e reconhecer que há diferentes cenários sociais e históricos que impactam diretamente no acesso à justiça.
Como juíza, negra e de origem social humilde, carrego comigo essa consciência. Minha trajetória me ajuda a ver além dos autos, entender as desigualdades que atravessam a vida das partes e buscar, dentro dos limites legais, uma atuação que seja verdadeiramente justa. A deusa Themis já não pode mais ter os olhos vendados. Precisamos retirar a venda, olhar para a realidade concreta e aplicar o direito com compromisso, empatia e responsabilidade social. Essa é a visão de magistratura que acredito e pratico.
ANAMAGES: Quais são os pilares de sua conduta profissional?
Dra. Isadora Nicoli da Silva: Integridade, comprometimento com a justiça, empatia e responsabilidade social. A integridade me orienta na firmeza ética necessária para a imparcialidade, a transparência e a coerência nas decisões, respeitando os limites da lei e da Constituição. O comprometimento com a justiça me impulsiona a buscar, em cada processo, não apenas uma resposta jurídica, mas uma solução que respeite a dignidade das pessoas envolvidas.
A empatia é essencial na magistratura: é preciso compreender os impactos reais que nossas decisões causam na vida das partes. Julgar com empatia não significa abrir mão da técnica, mas sim aplicá-la com humanidade.
Por fim, a responsabilidade social me lembra, diariamente, do lugar que ocupo e da importância de um Judiciário mais acessível, inclusivo e atento às desigualdades. Ser juíza é, também, ser agente de transformação, promovendo confiança institucional, justiça efetiva e respeito à diversidade em todas as suas formas. Esses princípios são os alicerces que sustentam minha atuação como magistrada.
ANAMAGES: De que forma a Dra. consegue deixar o mundo cada dia melhor com o seu trabalho?
Dra. Isadora Nicoli da Silva: Acredito que contribuo para deixar o mundo um pouco melhor todos os dias com o exercício comprometido e consciente da magistratura. Além disso, a minha presença negra no Poder Judiciário, por si só, já representa uma ruptura importante com estruturas historicamente excludentes. É um gesto de representatividade, de afirmação e de esperança para tantas outras pessoas que, assim como eu, vêm de contextos sociais marcados por desafios e resistências.
Dedico-me com empenho, atenção e seriedade a cada caso, reconhecendo que, por trás de cada processo, existem vidas reais, histórias únicas e dores que merecem ser acolhidas com sensibilidade e justiça. Busco sempre aprimorar minha atuação, estudando, ouvindo e me aperfeiçoando, porque acredito que o compromisso com a excelência também é uma forma de respeito ao jurisdicionado.
Além disso, procuro incentivar e valorizar quem está à minha volta — servidores, colegas, partes e advogados — porque sei que um ambiente mais humano e colaborativo também reflete em melhores entregas à sociedade. Com presença, escuta, técnica e empatia, acredito que a justiça pode, sim, transformar realidades. E é com essa convicção que sigo fazendo o meu trabalho todos os dias. Por fim, agradeço a ANAMAGES pela oportunidade de contar a minha história.